Li & Recomendo: No coração do mar

Olá pessoal, tudo certinho? Espero que sim hehehehe
Pois bem, para inaugurar este ano que se iniciou recentemente já trago resenha de um livro que acabei de ler, que gostei bastante e, claro, gostaria de indicar para vocês por meio da resenha que preparei. 
Então é isso, relaxem, puxem a cadeira, se sentem no sofá ou procurem qualquer outro canto aconchegante para ficarem porque aqui vai mais uma resenha. Espero que apreciem!!! 😊


Atitudes extremas em situações extremas


A trajetória do ser humano sobre a terra nunca foi fácil, pois desde os tempos remotos sabe-se que a luta pela sobrevivência é algo comum em diversas culturas e, apesar de todos os avanços tecnológicos para tornar nossas vidas mais práticas e seguras, ainda sim o dia a dia é uma luta constante para muitas pessoas sob vários contextos e/ou aspectos, talvez por isso é que por mais que nos esforcemos não somos capazes de mensurar o comportamento humanano e em como ele, em certas ocasiões, pode nos levar a atitudes extremas em situações igualmente extremas onde pessoas que normalmente seriam incapazes de atitudes duvidosas podem nos surpreender.

Neste sentido das surpresas que nós, seres humanos, reservamos aos nossos iguais é que ler No coração do mar (Intríseca, 2013 - 235p.), na época livro de estreia de Charlotte Rogan, foi como uma gota no oceano no que concerne a compreensão da complexidade humana. Na trama que se segue, somos apresentados a Grace Winter, voz que nos relata o ocorrido no antes, durante e após do naufrágio do navio Empress Alexandra com destino a América quando o mundo se via muito próximo da Primeira Grande Guerra Mundial.

No verão do ano de 1914, Grace, que estava recém-casada com Henry Winter, tinha como única preocupação ser formalmente apresentada a família do marido que, ao que tudo indicava, sequer sabia de sua existência uma vez que seu matrimônio havia se dado por causa do rompimento do compromisso de Henry com uma jovem cuja família era amiga da família do rapaz há anos.

Quando ambos estavam a bordo do navio, numa noite qualquer, algo errado ocorre e uma explosão afunda a embarcação dando tempo apenas para que Grace conseguisse adentrar num dos botes salva-vidas que conseguiram escapulir da tragédia. 

Muitos dias se passam enquanto os náufragos tentam sobreviver em meio as adversidades naturais como frio, fome e sede; assim, a exaustão do momento e aliada a falta de perspectiva de resgate imediato cria um clima de animosidade entre os 39 sobreviventes à bordo do bote, justamente por isso, lentamente, todos são obrigados a escolher em que lado ficarão em relação a clara disputa de poder que se estabelece dentro da pequena embarcação por parte de Jonh Hardie, marujo experiente e um dos tripulantes do navio afundado, e Úrsula Grant, passageira que parece exercer grande influência sobre os demais sobreviventes do bote. No decorrer de três semanas pós-naufrágio, os passageiros traçam alianças, esquematizam planos, apoiam uns aos outros além de criarem intrigas entre si ao passo que começam cada um, a sua maneira_ e do ponto de vista da narradora da trama Grace Winter_ a divagar sobre a condição humana em meio a tragédias eminentes que, muitas vezes, se relacionam a dilemas morais como os vividos pelos integrantes do bote salva-vidas.

Quando, aparentemente, o pior do naufrágio havia passado, deixando marcas profundas na vida de todos que sobreviveram a ele, em especial protagonista, Grace é levada a júri popular para determinar se ela, juntamente com mais duas integrantes do bote, é culpadas por uma terrível e talvez remediável catástrofe que se seguiu aos dias de deriva no oceano. 

A construção da narrativa de Rogan é muito boa e para um livro de estreia surpreende por nos fazer pensar sobre a condição humana e, sobretudo, nos fazer refletir em relação a quais atitudes nós mesmos seríamos capazes de tomar diante do extremo. Como o leitor observa o desenrolar da trama pelo ponto de vista de Grace, é possível perceber a própria complexidade da personagem que se mostra bastante dúbia. No geral, e possível ao leitor manter certa distância de todos os personagens que aparecem no livro já que nossos sensores morais não podem deixar de ser acionados diante dos fatos que nos são narrados. Apesar de nosso senso de moral vir à tona, no entanto, é impossível tomar partido de qualquer um dos personagens que são destacados justamente porque todos eles são apresentados como muitos outros personagens de livros não nos são mostrados: como seres humanos passíveis de equívocos, o que por si só é um componente interessante para, ao menos, nos conduzir até a última página do livro. Leitura recomendada!

[Atenção: Trechos do livro comentados]

Há muitos pontos relevantes a serem considerados dentro da trama de No coração do mar, como, por exemplo, a própria escolha do nome do navio, o Empress Alexandra, uma homenagem a Nicolau e Alexandra, os últimos czares da russos, que tiveram uma história familiar muito penosa e trágica, o que parece indicar ao leitor, logo de cara, o que estaria por vir, mas também parece assumir uma espécie de metáfora para a própria história da protagonista Grace.

"...eu me sentia ao mesmo tempo eleita e condenada ao imaginar que o transatlântico Empress Alexandra fora concebido especialmente para nós dois." (p. 41)

Outro ponto que achei bem pertinente foi a presença de um diácono que parece ser o contraponto moral dentro da narrativa uma vez que sua figura, sempre chamando a questão da situação dos náufragos para uma perspectiva mais espiritual e por vezes mais otimista, colaborava para manter o grupo unido.

"O diácono tinha uma bela voz, e, embora fosse o tipo de pessoa que não chamaria atenção na maioria das situações, eu não conseguia desviar o olhar enquanto o escutava ... quando se tratava de oração ele sentia segurança, sua voz se elevava acima do ruído da água e sua palavra nos unia ... me contentava em observar como a fé lhe revigorava as feições e em ouvir como sua voz trazia vida às tão antigas palavras de orações." (p. 27-28)

Porém, se o diácono era o contraponto para a união do grupo, certamente a Sra. Grant era seu oposto já que desde o início ela se mostrou avessa as ordens de Jonh Hardie, além de possuir uma postura que ao mesmo intimidava e influenciava os demais passageiros.

"Não podíamos salvar todos os outros e também a nós mesmos. O Sr. Hardie tinha consciência disso e mostrava coragem para agir como fosse preciso... Foram também as suas ações que colocaram contra ele a Sra. Grant, das mulheres a mais robusta e a que menos tinha medo de se manifestar." (p. 17)

"A Sra. Grant se mantinha em vigilância constante. Estava sempre de preto e com o cabelo tão puxado para trás que mesmo uma semana de vento e ondas não haviam sido suficientes para desarrumá-lo... Eu percebia o efeito que ela tinha sobre alguns passageiros... Eu via tudo aquilo e acredito que compreendia..." (p. 94)


É interessante observar como o passar dos dias e as privações vão mostrando as fragilidades existentes entre o grupo de sobreviventes e em como a constatação da pequenez de cada um deles diante da tragédia faz que uma constatação ainda maior chegue à luz vergonhosamente num grande momento de tensão da narrativa.

"Nossa verdadeira natureza estava à mostra. Não valíamos literalmente nada. Estávamos despojados de toda a decência. Nada nos restava de bom ou de nobre após sermos privados de comida e abrigo" (p.127)


Enfim, poderia destacar muito mais trechos do livro para ilustrar tudo, ou quase tudo, o que podemos empreender no decorrer da leitura, mas este post ficaria muito longo e sei bem como pode ser cansativo, assim sendo vou ficando por aqui esperando que tenham gostado das observações aqui feitas e, claro, deem uma chance ao livro porque sua leitura valerá, em pequena ou grande medida, a pena certamente.



"Não foi o oceano que se mostrou cruel, foram as pessoas." (p.232)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Li & Recomendo: O senhor das moscas

Sobrevivendo ao desemprego

Novas TAGs