Li & Recomendo: A Intrusa

Olá pessoal, tudo bem?
Espero que sim. Pois bem, minha gente, no post de hoje trago resenha de um livro lido recentemente e que não só virou um favorito da vida como me aguçou a curiosidade a respeito da autora que o escreveu já que nunca havia ouvido falar dela. Acaso vocês já ouviram falar de Julia Lopes de Almeida? Então, eu também não.
Enfim, após ler o A Intrusa, de sua autoria, fui além das informações contidas na edição do livro editado pela Editora Pedra Azul e dei uma googlada a fim de buscar maiores informações para apresentar a vocês essa escritora nacional simplesmente incrível. Espero ver mais títulos dela no mercado livresco um dia, quem sabe.

Grata intrusão


Romance é um gênero da literatura surgido no século XVII e que rapidamente popularizou-se entre os que apreciavam a leitura de livros. Entre suas características podemos destacar a maneira híbrida como uma trama pode ser facilmente composta pela manifestação de outros gêneros textuais, como: novelas, cartas, narrativas de viagem e assim por diante; além, também, de possuir estilos e linguagens variadas.
O fato é que o Romance tal qual o conhecemos veio evoluindo e se reinventando através de subgêneros menores hoje tão utilizadas quanto à época em que foram criados. Assim, partindo do pressuposto de evolução do romance e o surgimento de subgêneros dentro deste grande gênero, temos o Romance Urbano, ainda chamado de Romance de Costumes, que nada mais é do que o romance que retrata uma determinada esfera social onde reproduz, por meio das palavras, os costumes da sociedade sem deixar de tecer críticas aos hábitos sociais. Dentro da literatura, este subgênero do Romance está ligado a Escola Literária Realista (Realismo) do século XIX, onde o narrador se coloca na trama como uma espécie de observador de seu tempo, enfatizando conflitos amorosos e problemas socioeconômicos. 
No Brasil temos grandes escritores que representam com maestria o Romance Urbano/Costume, tais como José de Alencar e Joaquim Manuel de Macedo; mas, estes escritores são mais que conhecidos e consagrados; agora, o que pouca gente sabe é que temos entre esses grandes homens uma igualmente grande mulher, a desconhecida Júlia Lopes de Almeida, contista, romancista, cronista, teatróloga e, infelizmente, relegada a uma quase não existência sabe-se lá por qual razão.
Felizmente ainda é possível encontrar alguma coisa, bem escassa, produzida pela escritora e disponível na internet, além de alguns parcos títulos à venda em sebos; porém, também podemos nos deliciar, ao menos um pouco, com o fato de uma editora, ainda que pequena, ter se dedicado a lançar no mercado um dos romances de costume mais interessante que você lerá atualmente: A Intrusa (Editora Pedra Azul, 2016: 232 páginas).
No referido romance, o leitor é transportado a uma Rio de Janeiro do século XIX onde se concentra, praticamente, toda a elite brasileira da época já que esta era a capital da recém-instaurada República com suas grandes diferenças sociais. Na trama de Lopes, um rico, bem-sucedido, bonito e viúvo advogado, que prometera jamais casar-se novamente, decide contratar uma governanta para tomar conta de seu lar e, consequentemente, ensinar um pouco de bons modos a filha mimada que mora com os avós maternos, mas que vez ou outra desfruta de sua companhia. Apesar das críticas que recebe por cogitar inserir em seu lar uma mulher qualquer para cuidar de suas coisas e de sua filha, o advogado leva a ideia adiante e contrata, sob a condição de jamais ter contato com sua governanta, Alice Galba, uma jovem misteriosa que se mostrará muito acima das expectativas do advogado que, com o passar dos meses, começa a nutrir pela mulher, ainda que inconsciente, certa admiração, o que irá instigar o ciúme exagerado de sua ex-sogra que não admite em hipótese alguma que o ex-genro descumpra a promessa de nunca mais se casar feita a sua filha no leito de morte.
O Romance de Lopes consegue trazer todos os elementos dos romances urbanos que conhecemos, mas sob a ótica de uma mulher/escritora que com o olhar muito acurado de sua época consegue, mesmo sutilmente, pincelar questões sociais muito pontuais ao longo de todo romance, como o preconceito de uma sociedade predominantemente patriarcal e machista que era incapaz de ver com bons olhos uma mulher independente sem imaginar malícia por de traz de sua conduta. 


"Não duvide! Uma governanta de casa de um viúvo só, vinda por anúncio de jornal... deve ter ao menos um defeitozinho, e olha que o da curiosidade é quase virtuoso [...]" (p.129)


O preconceito racial enraizado na sociedade é outra questão levantada, prova disse é o personagem Feliciano, um negro que não apenas rejeita sua condição como exterioriza sua ira por ser quem é: negro.


"Revoltado contra a natureza que o fizera negro, odiava o branco com o ódio da inveja, que é o mais perene. Criminava Deus pela diferença das raças. Um ente misericordioso não deveria ter feito de dois homens iguais dois seres dessemelhantes. Ah, se ele pudesse despir-se daquela pele abominável, mesmo que a fogo lento, ou a afiados gumes de navalha, correria a desfazer-se dela com alegria. Mas a abominação era irremediável. O interminável cilício terminaria até que, no fundo da cova, o verme pusesse nua a sua ossada branca..." (p. 137)


De tudo o mais que o romance trata, temos uma brevíssima pincelada, também, nos aspectos políticos da nova república, uma questão que era de grande interesse da autora, mas que em A Intrusa não foi aprofundado, apenas representado pela inserção de dois personagens políticos dentro da trama que entre uma conversa e outra com o advogado Argemiro, por exemplo, fazem alusão as manobras políticas a que estão sujeitos para atingirem seus objetivos.

"[...]A ação de governar vai se tornando cada vez mais perigosa nesta terra... Nós temos maus auxiliares e o povo tem má fé... A oposição, agora, serve-se de todos os meios para impedir-nos os passos, usando das armas mais pérfidas, que são as do ridículo e as da calúnia..." (p. 118)


Enfim, Júlia Lopes de Almeida nos mostrou com este pequeno grande romance que é A Intrusa, o quão rica a literatura nacional teria sido se a mulher tivesse tido meios de produzir escritos ao invés de ter sido durante tanto tempo relegada a subserviência do lar, não que ser dona de casa seja algo ruim, longe disso, mas a mulher pode ir muito mais além. Veredito final: livro recomendado fortemente a todos e todas desejosas de livros escritos por grandes figuras femininas.



Biografia

Júlia Valentina da Silveira Lopes de Almeida (Rio de Janeiro RJ 1862 - idem 1934). Contista, romancista, cronista, teatróloga. Ainda na infância, transfere-se com a família para Campinas, São Paulo. Inicia seu trabalho na imprensa aos 19 anos, em A Gazeta de Campinas, numa época em que a participação da mulher na vida intelectual é rara e incomum. Três anos depois, em 1884, começa a escrever também para o jornal carioca O País, numa colaboração que dura mais de três décadas. Mas é em Lisboa, para onde se muda em 1886, que se lança como escritora. Com sua irmã Adelina, publica Contos Infantis, em 1887. No ano seguinte, casa-se com o poeta e jornalista português Filinto de Almeida (1857 - 1945) e publica os contos de Traços e Iluminuras. De volta ao Brasil, em 1888, logo publica seu primeiro romance, Memórias de Marta, que sai em folhetins em O País. Sua atividade em jornais e revistas - Jornal do Commercio, A Semana, Ilustração Brasileira, Tribuna Liberal - é incessante, escrevendo sobre temas candentes, apoiando a abolição e a república. Uma das primeiras romancistas brasileiras, sua produção literária é prolífica e abrange vários gêneros: conto, peça teatral, crônica e literatura infanto-juvenil. Seu estilo é marcado pela influência do realismo e do naturalismo francês, especialmente pelos contos de Guy de Maupassant (1850 - 1893) e romances de Émile Zola (1840 - 1902). A cidade do Rio de Janeiro, capital federal, em período de turbulência política e econômica, é o cenário mais amplo de suas ficções assim como o ambiente privado das famílias burguesas serve às tramas e à construção de seus personagens, é o caso do romance A Falência, lançado em 1901 - para muitos a sua obra mais importante. Júlia ainda obtém destaque no Brasil e no exterior em conferências e palestras sobre temas nacionais e sobre a mulher brasileira; participa ativamente de sociedades femininas no Rio de Janeiro. Reconhecida em sua atividade literária por seus pares contemporâneos, escreve também obras mais esperadas por uma mulher de sua época, como O Livro das Noivas e Maternidade, que alcançam grande sucesso de público, tanto quanto seus romances. Está entre os intelectuais que participam do planejamento e da criação da Academia Brasileira de Letras - ABL, da qual seu marido é fundador e ocupante da cadeira número 3 - no entanto, por ser mulher, é impedida de ingressar na instituição. Entre 1913 e 1918 volta a viver em Portugal, e publica suas primeiras peças teatrais e um livro infantil com seu filho Afonso Lopes de Almeida. Na década seguinte, muda-se para Paris, onde alguns de seus textos são traduzidos e publicados.

            

Como vocês puderam ver a partir dos textos acima, Júlia Lopes de Almeida foi o que muitos consideram como uma mulher moderna e, por assim dizer, revolucionária ao se colocar na sociedade como um ser feminino pensante e independente, mas, infelizmente, e isso não pude entender o porquê, caiu no ostracismo e se não fosse uma editora pequena como a Pedra Azul, sequer teríamos a chance de, ao menos, ter acesso a um de seus títulos. 



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Li & Recomendo: O senhor das moscas

Li & Recomendo: Deixados para trás

Novas TAGs